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10 Equívocos Corporativos Comuns Sobre Governança de Integridade de Terceiros [EthQuo]
10 equívocos comuns que deveriam ser revistos no ambiente corporativo, sobre governança de integridade de terceiros
Outubro/2023
Por: Manuel Marinho, CCA – CEO da EthQuo Compliance e Tecnologia
Em um ambiente corporativo, os recursos disponíveis são sempre finitos e, para garantir que eles serão eficientemente alocados, os orçamentos das diversas áreas organizacionais são definidos com base em fatores que apontem para o melhor desempenho sustentável possível, tendo como nortes o propósito, a missão e os valores da organização.
A noção de desempenho sustentável não se restringe à geração de lucros significativos, em bases continuadas. Há cerca de duas décadas, tem se sedimentado a ideia de que a organização também deve se comprometer com resultados ambientais e sociais sustentavelmente positivos, combinando ações de curto, médio e longo prazos. E tudo isso com integridade, transparência, equidade e responsabilização de seus agentes – compromissos que, coordenados, definem o próprio conceito de Governança Corporativa [1].
Nas disputas internas corporativas por recursos limitados, as narrativas de cada área da organização a respeito das suas contribuições para as metas de sustentabilidade do negócio por vezes ganham feições antagônicas, e não raro com apegos ferozes às respectivas linhas de argumentação. E a governança de integridade de terceiros é um dos assuntos mais suscetíveis a esse embate de forças, presente nos gabinetes de executivos nas organizações.
Em conversas reservadas com Diretores e Vice-presidentes de grandes empresas, costumo ouvir que a área de governança de integridade de terceiros “perde de goleada” nesses duelos orçamentários internos… Muitas vezes com base em adágios corporativos de forte apelo emocional, mas que não necessariamente refletem verdades e quase sempre se traduzem em equívocos.
Neste texto vamos explorar 10 equívocos corporativos envolvendo governança de integridade de terceiros, usualmente cometidos por ocasião de discussões corporativas para alocação de orçamento. Cada tópico é ilustrado com um exemplo de expressões que tipicamente são utilizadas para desafiar a necessidade de alocações orçamentárias em compliance de integridade. Espero que sejam bons pontos para reflexão e que contribuam para um melhor entendimento sobre a relevância das práticas de integridade de terceiros para o seu negócio.
1. “As práticas de governança de integridade de terceiros criam barreiras para as áreas de negócio da organização.”
Talvez o mais comum e o mais míope dos equívocos. Governança de integridade de terceiros presta-se como uma barreira a riscos reputacionais, financeiros, regulatórios e de outras naturezas, e não aos negócios. Áreas de negócio tendem a entender um apontamento de integridade sobre um terceiro como um elemento impeditivo ao relacionamento comercial, e este é um grande erro… É absolutamente possível dar continuidade a um relacionamento comercial com aquele terceiro com algumas proteções contratuais, com calibragem nos volumes de negócios, com boas escolhas no tocante ao nível de associação no plano institucional, dentre outros mecanismos.
Com um adequado entendimento dos riscos e aplicação de medidas mitigatórias apropriadas, a governança de integridade de terceiros torna-se uma das maiores aliadas das áreas de negócio.
2. “Gastos com governança de integridade de terceiros não geral nenhum retorno para a organização.”
Geram um tremendo retorno! Principalmente na forma de proteção de valor. É pouco comum haver divulgação dos riscos que a área de compliance de integridade de terceiros consegue mitigar ao longo de um exercício social ou outro ciclo de medição corporativa. E ainda menos comum é medir o impacto adverso que esses riscos poderiam ter gerado, caso se materializassem. Mas isso pode ser feito e a área de governança desse ser encorajada a trabalhar em estimativas seguras do valor protegido a partir de suas ações de integridade de terceiros para a organização, com a devida publicidade dos resultados alcançados.
3. “Investimentos em governança de integridade de terceiros não agregam valor à organização.”
É um enorme equívoco pensar assim. E tive oportunidade de presenciar diversas situações exatamente em sentido contrário! Dou alguns exemplos de valor agregado à organização, a partir de práticas maduras de governança de integridade de terceiros: (i) elevação no rating geral de governança da organização, com geração de oportunidades de relacionamento comercial em mercados mais exigentes; (ii) redução de custo com certos tipos de seguros; (iii) atração de investimentos com custo de capital mais vantajoso; (iv) credenciamento para acesso a certas cadeias de valor restritas; (v) condições comerciais mais favoráveis, por conta de uma percepção de baixo risco da organização; (vi) ganhos ao capital reputacional da organização, na forma de benchmark em comunidade de pares, dentre outras.
4. “Exigências rigorosas no campo da integridade de terceiros acabam afastando parceiros interessantes na cadeia de suprimentos, corroendo valor do negócio.”
Quando um terceiro demonstra ter um potencial significativo para o negócio, conquanto apresente certas debilidades ético-reputacionais apontadas pela área de compliance, não é necessário simplesmente afastá-lo… Neste ponto, é importante que a organização considere assumir um papel de indutora de boas práticas de governança em relação a esse terceiro.
Isto requer uma mudança de atitude, movendo a organização do posicionamento “identificamos uma questão de integridade; vamos interromper a aproximação com a sua empresa” para uma postura mais construtiva, informando ao terceiro que “há uma questão de integridade a ser trabalhada; nossa organização vai colaborar com a sua para que o problema seja superado”, o que pode ser rapidamente alcançado através de suporte a ações para mitigação de riscos, compartilhamento de políticas e boas práticas, orientação na criação de estruturas de governança, dentre outras iniciativas.
Na maioria esmagadora dos casos, as questões de integridade observadas em terceiros são mitigáveis, sim. E a aproximação com o novo parceiro pode ter seguimento, proporcionando valor para a organização, com o suporte combinado das áreas de negócio e de compliance. Todos saem ganhando!
5. “As práticas de governança de integridade de terceiros geram uma visão de risco que fica obsoleta rapidamente. As decisões tomadas em um dado momento perdem sentido com o tempo e não alcançam problemas ético-reputacionais que venham a surgir após o início do relacionamento com o terceiro.”
Este pensamento não está correto… As boas práticas de governança de integridade de terceiros não devem se restringir à “fotografia” ético-reputacional tirada por ocasião das pesquisas de background check ou KYC, ou seja, antes do início do relacionamento comercial. É fundamental que seja feito um monitoramento periódico de aspectos críticos de integridade, enquanto durar a relação comercial ou institucional com o terceiro. As informações colhidas nas atividades de monitoramento se juntam àquelas obtidas ao tempo das pesquisas de background check ou KYC, formando um “álbum de fotos” de integridade de cada terceiro, documentando a sua trajetória ético-reputacional ao longo de toda a jornada de relacionamento com a organização.
Com o passar do tempo, obviamente que a percepção de risco de integridade de um terceiro pode mudar… E não apenas em razão da observação de novos desvios ético-reputacionais imputáveis ao próprio terceiro, mas também em função de alterações nas definições de apetite e tolerância a riscos estabelecidas pela organização. Por conseguinte, as práticas de governança de integridade de terceiros devem ser aplicadas pela organização em bases continuadas, de modo a garantir respostas rápidas e apropriadas às mudanças havidas nos ambientes externo (terceiros) e interno (políticas e normas).
6. “As práticas de governança de integridade de terceiros retardam a dinâmica das áreas de negócios.”
Se um terceiro apresentar algum problema ético-reputacional mais sério, pode ser necessário empregar um ritmo um pouco mais cauteloso na negociação… Isso é indisputável. Mas esses casos costumam ser excepcionais, muito raros mesmo e, na minha experiência, o que realmente causa desaceleração “crônica” nas dinâmicas das áreas de negócio não são as práticas de governança de integridade de terceiros, mas outras deficiências da organização, tais como: (i) processos mal desenhados ou controles mal posicionados; (ii) resistência ou hesitação da área de negócio em aplicar proteções adicionais às contratações, para não interferir nas discussões comerciais; (iii) falta de adequada comunicação e alinhamento entre áreas de negócio, compliance e jurídica; (iv) desinformação sobre riscos de integridade e respectivas consequências, por parte das áreas de negócio; (v) falta de clareza ou omissões em políticas e normas de governança, dentre outras. Avalie essas possibilidades também.
7. “As práticas de governança de integridade de terceiros não são percebidas pelos stakeholders e, portanto, não geram impacto para eles.”
A primeira parte da expressão (“…não são percebidas…”) sinaliza que há um campo para melhorias em informação transversal e transparência na organização. A segunda parte (“…não geram impacto…”) é simplesmente uma visão equivocada – e que guarda relação de causa e efeito com a primeira.
É muito comum constatar que os benefícios derivados das práticas de governança de integridade de terceiros ficam praticamente invisíveis para diversas categorias de stakeholders, mesmo aqueles mais próximos do núcleo de gestão do negócio (os core stakeholders). À medida que a organização evolui em comunicação, conscientização, treinamento, divulgação, medição e registro de suas práticas de governança de integridade de terceiros e performance observada em um determinado período, os benefícios por elas proporcionados em termos de proteção e geração de valor vão sendo mais percebidos, ficando mais nítidos, tangíveis, para todos os stakeholders, mesmo os mais distantes (os fringe stakeholders). Não é possível alcançar tal nível de percepção sem investimento e, com efeito, um dos aspectos que aponta o nível maturidade de uma organização em termos de governança é justamente a transparência dada às ações e resultados da gestão.
8. “Governança de integridade de terceiros não conversa com estratégia e sustentabilidade.”
Quando uma organização toma uma decisão estratégica de limitar sua atuação em um segmento de negócio, por conta da incidência de casos de corrupção envolvendo alguns de seus atores, certamente o faz para prevenir-se contra riscos reputacionais. Quando uma organização decide se certificar que fornecedores integrados à sua cadeia de valor não têm envolvimento com infrações ambientais, certamente o faz para fortalecer a pegada de sustentabilidade ambiental de seus negócios. Esses são dois exemplos singelos, corriqueiros na agenda da Alta Administração de empresas, e que demonstram uma conexão direta entre governança de integridade de terceiros, estratégia e sustentabilidade.
Decisões deste tipo evocam o compromisso da organização com a ética e com a conformidade às suas políticas de integridade. E, subliminarmente, fortalecem a imagem de stewardship positivo, de orientação dos negócios ao propósito da organização, com respeito aos interesses de todos os stakeholders.
9. “Os investimentos em governança de integridade de terceiros não se relacionam com nenhum dos 17 ODS.”
Ao contrário!… Contribui com muitos deles! E, em meio a todos, penso que a maior afinidade é com o ODS 16 (Paz, justiça e instituições eficazes), por reforçar o compromisso da organização com práticas que fortalecem as instituições, combatem a corrupção, a lavagem de dinheiro, o tráfico de armas, a concorrência desleal e outros males nocivos ao desenvolvimento global sustentável.
10. “Investir em governança de integridade de terceiros não gera distinção ou destaque entre nossos pares, dificultando o engajamento de lideranças e equipes.”
Será que não gera, mesmo?… Conheço diversos casos de empresas que tiveram acesso a círculos de negócios e a investimentos diferenciados justamente porque, dentre outros requisitos, apresentavam um padrão elevado de governança de integridade de terceiros, que as destacava em relação aos seus pares.
É uma questão que vai muito além do mero rating de governança ou de algum critério objetivo de qualificação para ingresso em certas esferas de negócios, para participação em licitações públicas, ou algo assim – traz também um impacto positivo relevante à imagem reputacional da organização, especialmente quando ela própria se posiciona como uma indutora de boas práticas de integridade em toda a sua cadeia de valor. E, neste nível, práticas evoluídas, maduras e uniformes de governança de integridade de terceiros ao longo de toda a cadeia de valor não apenas geram distinção, mas também podem constituir um verdadeiro diferencial competitivo para a organização.
Notas:
[1] A 6ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), lançada em 1º de agosto de 2023, trouxe uma definição renovada do conceito de governança corporativa, após um notável trabalho de elaboração, que envolveu uma extensa audiência pública, estudos comparados com manuais semelhantes das mais avançadas jurisdições e debates internos com especialistas. A nova definição foi muito feliz em posicionar a sustentabilidade como uma referência finalística da organização, estabelecendo uma conexão definitiva entre governança e sustentabilidade, como segue: “governança corporativa é um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas á geração de valor sustentável para a organização, pare seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente.”
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