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Regulamentações do crédito e impactos para o Brasil na OCDE [Reis Advogados]

Daniela Veltri. FOTO: DIVULGAÇÃO

Vários fatores são determinantes para o bom desenvolvimento econômico de um país e,

sem dúvida, a regulação jurídica aplicável ao mercado de crédito é um dos pilares

fundamentais.

 

Quando se direciona o foco ao mercado de crédito brasileiro muito se debate ainda sobre

sua precificação, devido aos altos juros cobrados em vários tipos de operação. Contudo,

dentre os diversos componentes que compõem esses custos, dois merecem destaque em

nossa análise. Um é o risco de inadimplência e o outro o custo operacional. Dois itens

cruciais em nosso País.

 

Isto porque a correlação da inadimplência e a precificação dos juros têm papel

fundamental no desenvolvimento econômico, inclusive sob o viés de investimentos

externos. Em síntese, quanto maior o risco da inadimplência maior será o efeito na taxa

de juros cobrada. Muito deste risco pode ser mitigado na medida em que se atrela uma

garantia à operação de crédito, que deve se revestir de boa liquidez e, ao mesmo tempo,

em um cenário de forte segurança jurídica e celeridade necessárias para a recuperação do

bem (móvel ou imóvel).

 

Na outra ponta temos a necessidade permanente de redução do custo operacional,

intrinsicamente ligada à viabilidade – prática e jurídica – de implantação de alternativas

seguras que reduzam os custos de tempo e burocracia sem que haja impacto na qualidade

do produto e/ou serviço entregue ao cliente, seja ele pessoa física ou jurídica.

 

Obviamente, ambos passam por um movimento forte de investimentos em educação

financeira da população.

 

Em janeiro deste ano o Conselho da Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE) abriu formalmente as discussões para acesso do Brasil, sendo que já

houve aprovação do Roadmap estabelecendo os termos, condições e como será o processo

de adesão.

 

Se aprovado, o ingresso do Brasil à OCDE traz diversos benefícios como o aumento do

intercâmbio e cooperação com economias mais desenvolvidas e, principalmente, estimula

a adoção de práticas positivas em relação à gestão econômica e social.

 

O caminho para o efetivo ingresso na OCDE ainda é longo, porém alterações regulatórias

que impactem positivamente em desburocratização, segurança jurídica e no mercado de

crédito, desenvolvimento econômico e que culmine no fortalecimento e desenvolvimento

do controle das finanças pelos tomadores de crédito são bem-vindas em qualquer

contexto, especialmente após um período de pandemia e desafios econômicos.

 

Esses instrumentos vêm se aperfeiçoando nos últimos anos no Brasil, mas ainda não são

de todo adequados. Neste viés, alterações na legislação brasileira têm trazido impactos

extremamente positivos para o impulso e a retomada de desenvolvimento econômico,

com destaque para a Lei 14.382/22 e para o Projeto de Lei 4.188/21 :

 

Lei 14.382/22

Trouxe impactos práticos no dia-a-dia da contratação do crédito e na redução do custo

operacional na medida em que o vai e vem de documentos, reconhecimento de firmas,

busca de certidões e de outros documentos públicos necessários para a contratação

exigem do tomador e do concedente do crédito uma peregrinação pelos diversos cartórios,

grande dispêndio de tempo e, não raras vezes, interpretações legais diferentes entre as

serventias. São antigos gargalos operacionais e componentes consideráveis na

precificação do produto/serviço de crédito oferecido em razão de toda a infraestrutura

operacional necessária.

 

Neste aspecto, a implantação e funcionamento do Sistema Eletrônico dos Registros

Públicos (SERP), viabilizando o registro dos atos e negócios jurídicos, a recepção e envio

de documentos e títulos, a expedição de certidões e a prestação de informações por meio

eletrônico e de forma centralizada em conjunto com o atendimento remoto se traduz em

um ganho absurdo de tempo em toda a dinâmica de contratação.

 

Ainda nessa linha destaca-se a autorização para que os registros e averbações dos fatos,

atos e negócios jurídicos sejam recebidos pelos oficiais de registros públicos, quando

cabível, por meio de extrato eletrônico – cuja definição será disciplinada pela

Corregedoria Nacional de Justiça.

 

A consulta centralizada a respeito das informações de indisponibilidades, restrições e

gravames existentes no bem objeto da garantia, bem como de informações importantes

acerca do tomador do crédito ou terceiro garantidor agilizam sobremaneira as avaliações

necessárias para prosseguimento da operação e risco na recuperação do crédito.

 

A norma traz a possibilidade de arquivamento da íntegra do instrumento contratual que

pode vir a ser uma possibilidade de redução de custo operacional de guarda de

documentos em situações específicas, desde que observados o quanto disposto no artigo

127-A incluído na Lei de Registros Públicos.

 

As medidas acima possibilitam ainda mais a utilização dos sistemas de inteligência

artificial para obtenção de documentos, agilização na análise de informações e até mesmo

na emissão do contrato, assinatura, averbação e registro contratual.

 

Aliás, especificamente neste ponto, seria excelente que se trabalhasse em um modelo

unificado de matrícula e de outros documentos que representem o registro e/ou

averbação de atos jurídicos, bem como formato de emissão de certidões – inclusive e,

principalmente, a forma de disposição de seu conteúdo. A leitura desses documentos por

meio da inteligência artificial seria mais uma etapa no avanço deste mercado.

 

Autorizar integrantes do mercado financeiro – observados os requisitos contidos nos

parágrafos 4º e 5º, incluído ao artigo 206-A – a efetuar o pagamento dos atos pertinentes

à vista de fatura é mais uma das benesses trazidas para o dia a dia da operação.

 

Por fim, e não menos importante, a equiparação dos prazos ao já estabelecido na

legislação processual, assim como a definição de prazos para emissão de certidões,

registros de documentos e devolução de exigências são aspectos muito positivos.

 

Projeto de Lei 4.188/21

Em tramitação, mas já aprovado na Câmara dos Deputados. Dispõe sobre o serviço de

gestão especializada e o aprimoramento das regras de garantia que, se aprovado,

consolidará o cenário favorável à ampliação de acesso à crédito mais barato no País.

 

Destacam-se três grandes inovações:

(1) cria as Instituições Gestoras de Garantias (IGG), possibilitando o melhor

aproveitamento de bens – móveis e imóveis – como garantia a operações de crédito. O

modus operandi e limitações legais atualmente impossibilitam que um bem seja

integralmente utilizado em garantia de duas ou mais operações, fazendo com que exista

uma ineficiência e um aumento no custo do crédito pela ociosidade de parte do valor

deste móvel ou imóvel. Exemplo: um imóvel no valor de R$ 1 milhão utilizado como

garantia a uma dívida de R$ 200 mil. A diferença entre tais montantes não é utilizada em

garantia de outros créditos. O Projeto de Lei altera esta dinâmica na medida em que prevê

a inversão do modus operandi de concessão de garantia. Aquele que pretende tomar

crédito poderá registrar seu bem na IGG de sua escolha que, por sua vez, procederá com a

avaliação deste bem, controlando os limites alocados em cada uma das operações de

crédito e com isso gerenciará a melhor utilização do montante total. Isso gera eficiência

na concessão do crédito, redução de custo operacional e impacto de inadimplência, assim

como agilizará a retomada da garantia e retorno do valor emprestado.

 

(2) busca e apreensão extrajudicial de bens móveis, aumentando sobremaneira a

celeridade na retomada da garantia, tal qual observado no procedimento previsto na Lei

9.514/97 aplicável a bens imóveis;

 

(3) o fim da exclusividade da Caixa Econômica Federal (CEF) em relação ao penhor civil,

permitindo com que outros players atuem com tal espécie de garantia.

 

Essas duas medidas, além de outras previsões contidas no Projeto de Lei, fortalecem o

sistema de garantias no Brasil e possibilitam, como dito antes, a redução do custo

operacional e do índice de inadimplência.

 

De acordo com o Chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos do Ministério da

Economia, Adolfo Sachsida, a implementação de tais modificações tem o potencial de

destravar mais de R$ 1 trilhão nos mercados de capitais, garantias e crédito, beneficiando

pequenas empresas, o agronegócio e a família brasileira.

 

As alterações trazidas pela Lei 14.322/22 e as previstas no Projeto de Lei 4.188/21

traduzem-se em fatores importantíssimos de segurança jurídica, permitindo que o Brasil

se torne mais competitivo para o investimento estrangeiro. Isso, por sua vez, propicia o

crescimento econômico sustentável, maior geração de emprego e desenvolvimento social,

temas que são relevantes para a OCDE e que impactam na análise para o ingresso do

Brasil na Organização.

 

*Daniela Veltri, especialista em Direito Imobiliário e gerente jurídica do

escritório Reis Advogados (SP)

Fonte: Estadão

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