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Centenário da primeira travessia aérea entre Lisboa e Rio de Janeiro será celebrado em 2022
No início de julho de 1922, São Paulo preparava-se para receber os oficiais da Marinha Portuguesa Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Artur de Sacadura Freire Cabral (1881-1924), piloto e Capitão-de-fragata.
Em requerimento ao Ministro da Marinha de 26 de maio de 1919, propôs-se a realizar a inusitada travessia entre Lisboa e Rio de Janeiro.
Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959), Contra-Almirante e experiente navegador. Juntos, eles desenvolveram um revolucionário sistema de navegação aérea, o “Corretor de Rumos”, e o “Sextante de Horizonte Artificial”, que permitia uma navegação com precisão e sem auxilio exterior.
O evento mobilizou a imprensa, a sociedade civil e a colônia portuguesa. No dia 30 de junho de 1922, a Associação Comercial de São Paulo solicitou a comerciários e industriais da cidade que liberassem seus funcionários do trabalho a fim de participarem da recepção organizada pela colônia portuguesa em homenagem aos bravos aviadores. Após a permanência no Rio de Janeiro, então capital federal, eles vieram para de São Paulo, onde foram recebidos por multidões que tomaram as ruas da cidade em 3 de julho daquele ano.
A tresloucada década de 1920
Os dois lusitanos encontram o país em ebulição, devido a mudanças na política e na cultura. A república implantada em 1889, denominada Primeira República, ou política do café com leite, significava a alternância de São Paulo e Minas Gerais no governo central.
Muitos acontecimentos marcaram a década de 1920 no Brasil, mas o ano de 1922 foi o mais emblemático. Houve disputas políticas e levantes militares, e o centenário da Independência do Brasil. Para celebrar a efeméride, uma grande exposição internacional foi organizada no Rio de Janeiro pelo governo federal e inaugurada a 7 de setembro, dia da primeira transmissão de rádio no País. Em São Paulo, transcorreu a Semana de Arte Moderna, realizada por um grupo de artistas dissidentes da arte e da cultura brasileira, de conteúdo conservador, era a favor do novo e do moderno.
Para conter a intensificação do movimento operário decorrente da alta de preços dos alimentos, o governo de Artur Bernardes dissolveu sindicatos e impôs um estado de sitio que vigorou de 1922 a 1926. A Revolta do Forte de Copacabana, iniciada em 5 de julho de 1922 e encerrada no dia seguinte, no Rio de Janeiro, abriu caminho para o movimento tenentista. Em 1922, houve também a fundação do Partido Comunista Brasileiro. Dois anos depois, São Paulo foi cercada e bombardeada cruelmente pelo poder Central. A Revolução de 1924 causou estrago e sofrimento à população, e muitos tiveram de fugir da cidade. A Coluna Prestes, movimento político-militar ocorrido de 1924 a 1927, formada por militares dissidentes, contra o governo central e as elites agrárias, foi derrotada pelas tropas federais, e permaneceu no exílio de 1927 a 1929, aguardando por anistia. E, por fim, ocorreu a ruptura política com a Revolução de 1930, a qual levou Getúlio Vargas ao poder.
Os heróis do ar na imprensa
No centenário da Independência em 1922, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul por dois oficiais da Marinha portuguesa, Sacadura Cabral e Gago Coutinho, foi o acontecimento mais importante. Ao adquirir o avião inglês Fairey, por interferência das forças armadas, Portugal assumiu o pioneirismo. A travessia teve início em Lisboa em 30 de março de 1922. Sem auxilio de navio, de aparelho de rádio, os dois aviadores concretizaram uma das maiores façanhas da história da aviação.
De Portugal ao Brasil, eles percorreram 8.383 quilômetros, com percalços e substituição de dois hidroaviões. O terceiro posou no Rio de Janeiro em 17 de junho de 1922, com grande repercussão nos jornais cariocas A Noite e A Manhã, filmes e documentários exibidos nos cinemas. Aclamados pelo povo, os portugueses desfilaram pela av. Rio Branco e foram recebidos pelo presidente Epitácio Pessoa.
Homenagens aos dois intrépidos aviadores em São Paulo
Dezoito dias pós a travessia, os aviadores se dirigiram às duas cidades com maior presença de imigrantes portugueses do Estado: São Paulo e Santos.
A instabilidade dos anos 1920 em São Paulo não impedia o empreendedorismo dos lusitanos e sua expressividade. No final da década, a Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo já contava com 400 associados. O Clube Português, fundado pelos empresários Ricardo Severo e António Pereira Ignácio, em 14 de julho de 1920, esteve à frente das homenagens aos aviadores em São Paulo. O primeiro, considerado o patriarca da colônia portuguesa, foi sócio e continuador da firma Ramos de Azevedo que construiu os grandes edifícios públicos de São Paulo e residências particulares. O segundo criou o hoje denominado Grupo Votorantim e foi o seu primeiro presidente. Devido à organização do evento a assembleia geral foi adiada, conforme nota aos associados publicada no jornal o Estado de S. Paulo, em 30 de junho. Uma grande homenagem foi organizada na sede do Clube Português em 5 de julho, com a presença do presidente, de diretores, associados e figuras importantes da colônia.
O jornal A Tribuna registrou em detalhes a passagem dos aviadores por Santos, em 11 de julho de 1922. De acordo com o jornal, a multidão que se aglomerou pelas ruas saudou os heróis. Depois, a comitiva dirigiu-se ao Paço Municipal, repleto de autoridades, representantes da imprensa e famílias ilustres. Da sacada, cumprimentaram a população que, de fora, delirava de entusiasmo. A colônia portuguesa ofereceu um almoço no Clube XV e à noite uma recepção no salão Nobre do Real Centro Português.
Por Sônia Maria de Freitas
Historiadora, autora de, entre outros, Presença Portuguesa em São Paulo, Vida e obra do Comendador Montenegro, Beneficência Portuguesa de São Paulo: um século e meio provendo Saúde. www.memoria-historia.com.br
Fonte: Mundo Lusíada
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