Os governos português e brasileiro decidiram envolver as suas embaixadas espalhadas pelo mundo nas comemorações do bicentenário da independência do Brasil, para juntas desenvolverem ações junto de outros países e organizações internacionais.
A informação veio dos três coordenadores do programa das comemorações, um do lado português, o embaixador Francisco Ribeiro Telles, e os dois do Brasil, os embaixadores George Prata e Gonçalo Mourão, designados pelos respectivos países, numa entrevista conjunta à Lusa, em Lisboa.
Os dois coordenadores dos programas do bicentenário da independência deslocaram-se a Lisboa no âmbito da segunda visita oficial do ministro das Relações Exteriores brasileiro, Carlos Alberto França, na última semana.
A megaoperação da diplomacia dos dois países visa levar além-fronteiras, não só as comemorações do bicentenário da independência do Brasil, mas também o “bom relacionamento” entre os dois Estados, sobretudo, junto de organizações como as Nações Unidas, a Unesco, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Organização Ibero-Americana, envolvendo-as de algum modo no evento, explicaram.
“A parceria” entre os dois países para a comemoração do bicentenário, “porque é um exemplo para o mundo”, não deve servir só em Portugal e no Brasil, afirmou George Prata.
“A ideia é que essa parceria seja o mais ampla possível, não só em outros países, mas também em organizações internacionais”, sublinhou.
Com a Organização Ibero-Americana, o objetivo “é fazer qualquer coisa nas comemorações do dia da Língua Portuguesa [05 de maio] e também um seminário, onde se discuta o relacionamento de hoje, tendo como base o passado” entre Portugal e Brasil adiantou.
Isto porque “para a América hispânica nós somos um exemplo, o Brasil e Portugal têm uma excelência de relacionamento, o que, às vezes, os países de língua espanhola não têm com a sua ex-metrópole”.
Já com a CPLP, Gonçalo Mourão disse que conversou com o secretário executivo da organização, Zacarias da Costa, sobre a possibilidade de se “fazer um seminário em torno da celebração do bicentenário do Brasil relacionado com a importância da língua portuguesa”.
O embaixador Francisco Ribeiro Telles, por seu lado, começou por realçar que a existência de uma coordenação portuguesa para o bicentenário da independência do Brasil partiu de um convite daquele país, que explicitou, numa carta dirigida ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, a vontade de que este país se associasse à comemoração.
“Isso mostra a excepcionalidade da independência. Não haverá dois países no mundo hoje que estejam a festejar um bicentenário da forma como estamos”, frisou o diplomata português.
Da reunião dos chefes da diplomacia dos dois países na última terça-feira, nesta semana, saiu a decisão de se dar instrução às respectivas embaixadas para “procurarem eventos comuns para festejar o bicentenário”, disse o ex-secretário executivo da CPLP, indicando que podem ser no seio das organizações internacionais ou em termos bilaterais.
Segundo Francisco Ribeiro Telles, “vai haver esta parceria entre os dois países para que a comunidade internacional constate a singularidade do nosso relacionamento, a excepcionalidade que foi a independência do Brasil, e isso é um dado bastante significativo”.
Porém, destacou que esta parceria “é mais importante nas organizações internacionais do que propriamente nas embaixadas em termos bilaterais, porque nas organizações internacionais estão presentes outros países e é onde o realce do relacionamento aparece muito mais exposto”.
“Vamos programar isso até ao final do ano”, concluiu.
Nasce uma Orquestra
A criação de uma orquestra com jovens músicos brasileiros e portugueses, um concerto com partituras de D. Pedro e um seminário sobre migrações são alguns dos destaques das comemorações do bicentenário da independência do Brasil em Portugal.
Francisco Ribeiro Telles anunciou que “há a possibilidade de se criar uma chamada orquestra dos mares, que irá reunir jovens músicos portugueses e brasileiros”.
Quanto a eventos, os três coordenadores são unânimes em considerar que um colóquio sobre as migrações cruzadas entre Portugal e o Brasil ao longo do tempo, que deverá realizar-se no Porto, com a colaboração da universidade daquela cidade, será um dos pontos altos do programa.
“Os movimentos migratórios entre Portugal e Brasil, são, dos dois lados, impressionantes e podem ser estudados e, de certa forma, até podem servir de exemplo de como um bom relacionamento entre dois países permite que haja esses fluxos migratórios constantes”, justificou Ribeiro Telles.
Do lado do Brasil, o embaixador Gonçalo Mourão sublinhou que se trata de um debate sobre o papel das migrações nos dois sentidos e “o que isso representou” desde a independência, recordando que “já naquela época, a migração representava uma coisa importante nas relações entre os dois países”.
“Queremos fazer um seminário que fale sobre a importância desse relacionamento para reforçar as relações” bilaterais, concluiu.
Para Francisco Ribeiro Telles, outro dos pontos altos das comemorações do bicentenário da independência do Brasil em Portugal deverá ser um colóquio, a organizar pela Fundação Gulbenkian, em Lisboa no mês de junho, sobre as relações entre os dois países, mas focado no futuro.
“Não é apenas revisitar o passado, mas projetar o nosso relacionamento para o futuro e quais as áreas em que nos podemos projetar ainda mais. Isso talvez seja o ponto alto do bicentenário aqui em Portugal”, sublinhou.
Já na cidade do Porto, mas em outubro, um conjunto de iniciativas da câmara municipal daquela cidade deverão marcar outro dos pontos altos das celebrações.
No dia 12 de outubro, data do nascimento do rei D. Pedro, o monarca português que proclamou a independência do Brasil, “haverá uma cerimônia na Igreja da Lapa, onde serão tocadas partituras de D. Pedro, uma espécie de sessão solene”, disse Francisco Ribeiro Telles.
Na mesma altura, é também intenção da câmara “fazer uma exposição no Museu Soares dos Reis, em outubro, sobre D. Pedro”, adiantou. A este pacote de eventos deverá juntar-se o “seminário sobre as migrações, que poderá decorrer na mesma altura”, referiu.
Pelo Brasil, Gonçalo Mourão adiantou que a Fundação Alexandre de Gusmão, sob alçada do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), organização de pesquisa e estudos acadêmicos, já lançou uma coleção sobre o bicentenário, e vai editar livros sobre o tema histórico.
“Não são só obras clássicas em torno do assunto (…), como também algumas de interpretação moderna e algumas estão a ser lançadas em coedição com o Camões [Instituto da Cooperação e da Língua]”, indicou, referindo que já foram publicadas 10 e a ideia é chegar às 32.
“Mas ainda é uma obra em aberto, porque outros títulos podem ser incorporados”, explicou o diplomata brasileiro.
Ribeiro Telles destacou também ações que estavam programadas pelo instituto Camões no Brasil, através da sua ação cultural externa, e que agora vão ser canalizadas para o bicentenário.
“Portugal é o convidado de honra da bienal de São Paulo, que é um acontecimento importante, não apenas no Brasil, como em toda a América Latina, e nós vamos aproveitar essa presença para que possa ser referenciada a importância do bicentenário”, exemplificou.
Atrasos
Os três coordenadores do programa para as comemorações dos 200 anos da independência do Brasil, oficialmente dia 07 de setembro, admitem atrasos e indefinição de orçamentos, mas garantem haver “grande mobilização” política para garantir o sucesso do evento.
“Eu costumo dizer que, enquanto Portugal tem um coordenador, nós temos dois. Com isso, a gente vai recuperar o tempo perdido, porque nós temos consciência que talvez pudéssemos ter começado um pouco mais cedo”, afirmou George Prata.
“Nós estamos um pouco atrasados, relativamente. Mas se quiser dizer quando começou o movimento da independência, você pode considerar que isso começou no dia 09 de janeiro, quando o imperador Dom Pedro resolveu ficar no Brasil, e setembro, quando ele proclamou” a independência, refere Gonçalo Mourão.
Nesta perspectiva, em que a independência foi proclamada em seis meses “não há atrasos, o que há é uma premissa do tempo”, afirmou.
Já sobre o orçamento que o Brasil tem para as comemorações, Gonçalo Mourão respondeu: “Não tenho nem a menor ideia”, explicando que existem vários orçamentos.
Para justificar a resposta dá como exemplo a iniciativa de restauro e reabilitação do museu do Ipiranga, no estado de São Paulo, construído no local onde Dom Pedro proclamou a independência.
Este museu da independência, que será inaugurado a 07 de setembro deste ano, “está sendo restaurado e reabilitado com dinheiro do estado de São Paulo, (…), do governo federal e de entidades públicas privadas (…)” e com o contributo de “grandes bancos e grandes empresas”, explicou.
George Prata, por seu lado, admitiu que ainda há orçamentos por definir, mas preferiu falar da grande “mobilização política”.
Segundo o diplomata, a comemoração do bicentenário é uma iniciativa tão grande no Brasil, que “diversos órgãos”, do governo federal, dos governos estaduais, dos municípios e até diferentes áreas do Ministério das Relações Exteriores estão a tratar de diferentes eventos.
“A questão orçamental é sempre complicada, com uma demanda grande, e os recursos são limitados”, admitiu.
Mas “o que há a fazer é estabelecer prioridades, principalmente no Brasil, que não é um país assim tão rico”, afirmou, e definir “o que vamos destinar para a educação, saúde, meio ambiente e (…) para o bicentenário”, acrescentou George Prata.
O coordenador salientou que o Brasil “tem plena consciência que essa comemoração não é só voltada para trás”.
“Nós queremos celebrar o país em que nos tornamos. Por isso, toda a sociedade brasileira, dos diferentes setores do Brasil, estão comemorando o bicentenário”, salientou.
“Existe uma imensa mobilização da sociedade brasileira, do governo brasileiro e da sociedade portuguesa e do governo português. É uma mobilização ampla e dos dois lados, daí que é muito difícil nós termos às vezes informações muito precisas, justamente devido à amplitude dessa mobilização”, acrescentou.
No dia 07 de setembro haverá “um programa especial, que ainda está, porém, para ser aprovado pelo Presidente” do Brasil, Jair Bolsonaro, referiu.
“O Presidente dará prioridade ao orçamento que for necessário, quando decidir quais serão as manifestações específicas do sete de setembro”, garantiu.
O diplomata recordou ainda que, desde o ano passado, que o Ministério das Relações Exteriores está a programar eventos comemorativos do bicentenário.
Já o coordenador do programa português, Ribeiro Telles, recordou que o país estrá “a viver em duodécimos”.
“Agora, com a aprovação de um novo Orçamento [do Estado], com certeza que espero, ou tenho a expectativa, de poder ter alguma margem financeira para apoiar e subsidiar alguns projetos que nos vão chegando”, acrescentou.
O diplomata português assegurou que as comemorações também não se esgotam a 31 de dezembro deste ano. “Vão muito para além disso e o que sinto é que há muita criatividade, tanto da parte do Brasil como de Portugal, para encetar novos projetos que tenham a ver com a relação entre os dois países”, afirmou.
Ribeiro Telles sublinhou também o fato de “a primeira iniciativa que os coordenadores da parte do Brasil tiveram para o bicentenário foi terem vindo a Lisboa falar com as pessoas, que estão encarregues aqui do bicentenário”.
Segundo ele, “reflete a importância que o Brasil atribui ao bicentenário e à presença de Portugal nesse bicentenário”.