As remessas de emigrantes representam “uma importante fonte de rendimento para as famílias” portuguesas e “contribuem positivamente para as contas externas” do país, referiu o Banco de Portugal.
“Em Portugal, o valor de remessas recebidas é superior ao valor de remessas pagas”, o que significa que “o saldo das remessas de Portugal é historicamente positivo”, prossegue a informação que o banco central português.
Em 2020, Portugal foi o país da União Europeia (UE) que apresentou o valor mais elevado de remessas recebidas (3,6 mil milhões de euros) e no ano passado esse montante foi superior, atingindo o seu valor mais alto dos últimos 20 anos: 3.677,7 milhões de euros.
Em termos dos países que mais contribuíram para este resultado histórico, a Suíça e a França destacam-se, como de costume, valendo mais de 2 mil milhões de euros em remessas enviadas para Portugal.
Os emigrantes portugueses na Suíça enviaram 1.051 milhões de euros durante o ano passado, ao passo que os emigrantes radicados em França enviaram 1.023 milhões de euros para Portugal, com o Reino Unido e Angola a ocuparem o terceiro e quarto lugares na lista dos maiores contribuintes de remessas.
Ligação a Portugal
Para a secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, as remessas dos emigrantes têm um contributo “inequívoco” para a riqueza nacional e revelam a sua “continuada ligação a Portugal”.
Em declarações à Lusa, Berta Nunes sublinhou o valor das remessas em 2021 e que foi “o mais alto da era do euro” – 3,6 mil milhões de euros.
Tendo em conta o atual perfil da emigração portuguesa, a governante refere que o contributo da diáspora portuguesa no país de origem abrange outras modalidades, nomeadamente o investimento.
A esse propósito, afirmou que o Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID) “tem tornado clara a dimensão desse investimento, procurando simultaneamente fomentá-lo e consolidá-lo”.
Segundo Berta Nunes, o Gabinete de Apoio ao Investimento da Diáspora (GAID), integrado na Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, acompanha cerca de 110 investidores com potencial de investimento superior a 80 milhões de euros.
“O PNAID é, por definição, um programa que contraria a ideia de que o Governo apenas pensaria nos emigrantes ‘pelos votos e pelas remessas’, pois tem como objetivo apoiar, numa lógica de proximidade, o investimento sustentado dos emigrantes nas suas terras de origem, por forma a que, regressando ou não ao país, lhes sejam reconhecidos o respetivo valor e a integração nas suas comunidades de origem”, explicou.
Berta Nunes considerou que “o contributo das comunidades portuguesas tem diversas dimensões, além das remessas e do investimento, que passam igualmente pela cooperação em meios como a investigação e a cultura e que resultam das múltiplas redes que atualmente ligam a diáspora a Portugal”.
“Estas redes devem ser acompanhadas e fomentadas, trabalho que procuramos fazer nas diversas áreas de atuação desta área governativa: do ensino do português no estrangeiro à valorização da produção e herança cultural das comunidades portuguesas, da promoção do ensino superior junto dos emigrantes e lusodescendentes ao trabalho de proximidade com o movimento associativo, quer com as associações ditas tradicionais, quer com as associações de graduados e pós-graduados”, advogou.
E lamentou que entre os cidadãos das comunidades portuguesas exista a ideia de que os governos só se lembram das comunidades por dois motivos: remessas e votos.
Essa ideia, afiançou, “está nos antípodas do trabalho multidimensional e de proximidade que temos procurado, continuamente, assegurar e aperfeiçoar”.
“Basta ver o enorme esforço da nossa rede diplomática e consular no apoio aos portugueses residentes na Ucrânia para perceber que, ao contrário, a nossa atenção é tanto maior quanto são mais difíceis as circunstâncias vividas por portugueses residentes no estrangeiro”, disse.
Velha emigração
As maiores remessas das comunidades portuguesas são de países onde há mais tempo existem mais emigrantes e não dos novos fluxos, protagonizados por jovens para quem o projeto emigratório não passa por estas transações, segundo o Observatório da Emigração.
A interpretação é do sociólogo e coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires, para quem “há diferenças entre os objetivos das remessas do passado e hoje”.
À Lusa, o sociólogo sublinhou a dimensão das remessas enviadas pelos emigrantes para Portugal – 3.677,76 milhões de euros em 2021 – que é semelhante à dos fundos europeus.
Mas ressalvou: “A grande diferença é que as transferências comunitárias contribuem diretamente para o desenvolvimento e as remessas só indiretamente contribuem”.
“Não quer dizer que as remessas não contribuem para o desenvolvimento do país, mas contribuem independentemente do objetivo que têm. Contribuem porque aumentam o poder de compra dos países para onde são enviadas as remessas, para melhorar as reservas cambiais do país e podem ser usadas para investimentos”, disse.
Em rigor, prosseguiu, “as remessas são transferências que visam objetivos privados, particulares, não objetivos coletivos. Podem ser familiares, do próprio, mas são sempre privados”.
Para Rui Pena Pires, as remessas devem ser 50% maiores do que vemos nas estatísticas.
E explicou: “As remessas baixam subitamente com a introdução do euro e vão recuperando. Mas não é uma recuperação, uma vez que aquela queda não aconteceu, porque a entrada no euro implica que alguns movimentos cambiais deixam de ser registados como movimentos cambiais”.
Por essa razão, “parte de remessas que aconteçam na zona do euro tem um déficit de registo”, sendo as oriundas da Suíça as que se mantêm com um registro mais elevado.
Em 2021, apesar dos emigrantes portugueses na Suíça voltaram a ser os que mais remessas enviaram, a França provavelmente enviou mais remessas, mas que não foram contabilizadas por falta de registros, indicou.
Os emigrantes mais antigos são os que mais remessas enviam, porque “é a maneira de terem confiança de realização das suas poupanças”.
“Temos histórias de emigrantes portugueses que continuam a construir as suas casas para um dia voltar ou para as férias e continuam a fazê-lo como faziam há 30 anos”, afirmou.
Uma realidade em sintonia com a origem das remessas, “mais relacionada com o ‘stock’ do que com o fluxo”, pois nesse caso os valores maiores encontrar-se-iam nas novas saídas, protagonizadas por emigrantes mais novos e mais diferenciados, para países como o Reino Unido, do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).
Sobre os incentivos ao envio de remessas, Rui Pena Pires reconheceu que, dentro da zona euro, não há grandes incentivos a que haja transferências, uma vez que existe um sistema bancário europeu.
“No limite, eu posso comprar uma casa em Portugal, estando a trabalhar no Luxemburgo e com um empréstimo num banco no Luxemburgo. Não preciso de vir a Portugal pedir um empréstimo”, indicou.
Uma realidade “mais facilmente apreendida pelas novas gerações, porque não conheceram outra, do que as dos emigrantes mais antigos, com mais dificuldade em mudar hábitos que adquiriram quando iniciaram o seu processo emigratório”.
Estudo acadêmico
Na sua dissertação para mestrado em Economia e Gestão Internacional (Faculdade de Economia da Universidade do Porto), o economista Marco Rodrigues de Sousa analisou o “Impacto das remessas de emigrantes nos países de origem”, nomeadamente o caso português.
Neste trabalho, orientado por Maria Conceição Pereira Ramos, o autor apurou que a principal motivação dos inquiridos para o envio de remessas é o investimento ou empreendimento empresarial, até ao consumo pessoal.
A segunda motivação é o intuito de garantir à família um determinado conforto financeiro. Nenhum dos 85 inquiridos no âmbito deste estudo – emigrantes em vários países, nomeadamente França, Suíça e Reino Unido – assumiu que envia remessas por se sentir “obrigado” via vínculos emocionais.
Sobre a aplicação das remessas, a maioria dos inquiridos respondeu que as aplica em lazer (52,9%), seguindo-se o investimento (essencialmente em construção e imobiliário) com 41,2% e por fim a aplicação em poupança (via essencialmente produtos bancários) com 38,8%. Em saúde e educação contabilizaram-se 8,2% de respostas.
O autor apurou ainda que atualmente uma “grande parte dos emigrantes ou não envia (31,8%) ou raramente envia (24,7%) remessas.
“No futuro, o peso das remessas de emigrantes na economia portuguesa poderá ser muito inferior comparativamente ao que foi nas últimas décadas”, segundo a pesquisa acadêmica.
Dados das Nações Unidas indicam que, em 2019, haveria no mundo um pouco menos de 2,6 milhões de pessoas nascidas em Portugal a viver no estrangeiro, o que representa cerca de 25% da população residente no país naquele mesmo ano.
Estes dados apontam para um crescimento da proporção de emigrantes portugueses a viver na Europa e assinalam também uma manutenção da emigração portuguesa no continente americano e um maior crescimento da fixada em África.
O número de portugueses que emigraram em 2020 foi o mais baixo dos últimos 20 anos, um valor para o qual contribuiu a covid-19 e o ‘Brexit’ (saída do Reino Unido da UE), segundo o relatório anual do Observatório da Emigração, apresentado em dezembro do ano passado.
O documento indicou que, de 80 mil saídas em 2019, esse número baixou para 45 mil em 2020.