O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979) e a Lei nº 11.952/2009, que dispõe sobre regularização fundiária em terras da União, foram alterados em 30.12.2021, com a publicação da Lei nº 14.285, que institui a competência municipal para definição da largura mínima de Áreas de Preservação Permanente (APP) de cursos d’água naturais em áreas urbanas consolidadas.
A tramitação da mais recente lei foi impulsionada pelo julgamento do Tema nº 1010 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 28.4.2021, que entendeu pela aplicação do Código Florestal em APP de área urbana consolidada, nos limites previstos no artigo 4º, I, de citado Diploma, ao invés de considerar a alteração introduzida na Lei de Parcelamento do Solo Urbano pela Lei nº 13.913/2019, que buscava assegurar o direito de edificações próximas às margens de rios e córregos, prevendo que ao longo das águas correntes e dormentes seria obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 metros de cada lado.
De acordo com nova lei, para que o local seja considerado área urbana consolidada, exige-se: (i) a edição de lei municipal específica ou a indicação, em plano diretor, de que a área de interesse – para fins de alteração da faixa de APP – está localizada no perímetro urbano ou em zona urbana; e (ii) que o local esteja organizado em quadras e lotes predominantemente edificados e apresente uso predominantemente urbano, obrigatoriamente com edificações. Esses requisitos já estavam previstos na Lei nº 9.636/1998, alterada pela Lei nº 13.465/2017, mas diferentemente desta, a nova lei exige a existência concomitante de ao menos dois e não de três, como a Lei nº 13.465/2017, dos cinco equipamentos de infraestrutura urbana que lista: drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica e iluminação pública e limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.
Para a definição da largura da APP em área urbana consolidada, o Município deverá ouvir os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, observar as diretrizes e planos de recursos hídricos, de bacia hidrográfica, de drenagem de água ou de saneamento básico, sempre que houver regramento específico sobre esses quatro temas, e prever que não sejam ocupadas áreas com risco de desastres. As exigências, a nosso ver, objetivam mitigar influências de cunho menos técnico durante as discussões para estabelecer os critérios de APP em área urbana, já que a realidade de diversos centros urbanos é de massiva malha e de edificações – irregulares ou não – próximas aos cursos d’água, o que pode incentivar a criação de critérios para garantir a permanência de edificações indistintamente, sem que seja dada a devida atenção aos aspectos ambientais inerentes ao conceito de APP[1].
No caso de atividades instaladas e/ou exercidas dentro dos limites da APP urbana, deve-se atender aos requisitos que caracterizem a atividade como sendo de utilidade pública, interesse social ou como atividade eventual ou de baixo impacto ambiental (artigo 1º, incisos XIII, IX e X do Código Florestal).
Caso o Município não legisle sobre as APPs, deve-se observar as larguras mínimas previstas no Código Florestal (art. 4º, I), que preveem faixas de APP de 30 a 500 metros a depender da largura do curso d’água, seguindo tese definida pelo STJ, no primeiro semestre de 2021.
Com a promulgação da nova lei, buscou-se fortalecer a repartição de competência no texto constitucional, de tal sorte que o Município possa melhor gerir matéria de âmbito de repercussão local. Em perspectiva pragmática, contudo, há muitos desafios a serem superados, não só, mas também em razão da deficiente qualificação técnica e organização institucional dos entes locais, e margem a interpretação sobre a efetiva vedação ou não dos limites para o Município legislar sobre APPs em áreas urbanas consolidadas nos casos em que o próprio Município não dispuser de conselho de meio ambiente. Vários Municípios sequer têm conselho de ambiente, com funcionamento regular e composto paritariamente por órgãos do setor público e por entidades de sociedade civil – como acaba sendo exigido por diversos textos estaduais como uma das condições para o Município licenciar atividades que causem impacto ambiental de âmbito local.
Na prática, é possível que as regulamentações dos Municípios gerem desigualdades para ocupações/instalações de igual perfil, gerando concorrência entre os Municípios. Garantir certa uniformidade na regulamentação de APPs urbanas consolidadas em regiões que se encontrem em elevado grau de equilíbrio, conforme os termos postos pela nova Lei, tende a ser um desafio.
[1] Lei nº 12.651/2012. Art. 3º Para os efeitos desta lei, entende-se por: II – Área de Preservação Permanente (APP): área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.