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Efetividade e eficácia na transparência salarial entre mulheres e homens [Paulo Sérgio João Advogados]

O Direito do Trabalho e a legislação trabalhista vivem, historicamente, o drama de sua efetividade e de sua eficácia, gerado, especialmente pelas circunstâncias sociais, econômicas e culturais. A eficácia de uma regra de direito ou de proteção social, no caso da legislação trabalhista, decorre da condição de obter o resultado desejado pelo legislador. Neste sentido, a Lei nº 14.611/2023, que dispôs sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, tratou de forma efetiva de hipótese de combate à discriminação de gênero, gerando a expectativa de sua eficácia no plano real, a depender de regulamento que deveria ser objeto de regulamentação.

No dia 23 de novembro, o governo federal publicou o Decreto nº 11.795 que, atendendo o disposto na Lei nº 14.611, regulamentou, ou pelo menos tentou regulamentar, os mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, cuja finalidade, para dizer o óbvio, é dar eficácia à proposta do legislador.

O decreto trouxe os mecanismos de controle na transparência salarial e de critérios de remuneração que são aqueles já anunciados pela lei, ou seja (1) o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios; e (2) o plano de ação para mitigação da desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

O relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios implicará a necessidade de que as empresas informem objetivamente a sua política salarial, considerando os diferentes cargos e funções, apontando os critérios de acesso quando mantiver plano de cargos e salários e, ainda, relativamente ao salário, o decreto regulamentador vai a detalhamento quanto ao valor de todas as verbas salariais, inclusive as previstas em norma coletiva, que componham a remuneração do empregado, aí incluído o terço de férias e o aviso prévio indenizado (sic).

As empresas incluídas na obrigação deverão cuidar de fazer um descritivo minucioso para cada verba indicada no rol do inciso II, do artigo 2º, sob pena de sofrer fiscalização trabalhista para averiguação da regularidade dos pagamentos efetuados. Assim, exemplificativamente, sobre o valor dos adicionais, deverão eles estar vinculados ao cargo e local de ocupação, apontando os percentuais pagos que, por cautela, deveriam ser seguidos de laudo pericial ou, pelo menos de uma análise técnica ambiental de risco.

Relativamente às comissões pagas, comum no setor de comércio, as diferentes faixas de percentuais deverão demonstrar os critérios objetivos de percentuais de comissões. Quando se tratar de gratificações, que o decreto traz a expressão de forma genérica, presume-se que sejam as de natureza salarial e não as que são pagas por eventos especiais e de forma esporádica. No mesmo sentido, a participação dos trabalhadores nos lucros não fará parte do relatório de transparência a menos que o Ministério do Trabalho passe a confundir gratificação com participação nos lucros, negociada nos termos da Lei nº 10.101 de 2.000.

Claro está que o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, considerando sua objetividade descritiva, não deveria ser objeto de críticas ou questionamentos pelo Ministério do Trabalho, exceto se demonstrar flagrante afronta à lei ou evidente discriminação entre mulheres e homens no pagamento de salários ou de acesso a cargos. Todavia, o parágrafo 5º, do artigo 2º, sinaliza a possibilidade de o Ministério do Trabalho solicitar informações complementares às contidas no relatório, o que vai se transformar em peregrinação frequente dos empregadores ao Ministério para explicações.

A publicação do relatório de transparência será semestral, nos meses de março e setembro de cada ano. A dúvida quanto à forma de divulgação do relatório de transparência foi dissipada pelo parágrafo 3º, do artigo 2º, ao informar que a publicação será aceita quando publicada “nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral”.

Ficarão as empresas a mercê da aprovação pelo Ministério do Trabalho e, caso este, por seus agentes, considere que a empresa está discriminando salários entre mulheres e homens ou que haja critérios remuneratórios incompatíveis com o princípio legal, será obrigatoriamente implementado um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens com medidas, metas e prazos, além de, entre outros, criação de programas educativos para capacitação de gestores a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens, capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e ascensão no mercado de trabalho.

De acordo com o decreto regulamentador, na hipótese de elaboração do chamado Plano de Ação, deverá ser assegurada a participação de empregados e de representantes das entidades sindicais, pressupondo que, caso a empresa reúna empregados de diferentes entidades sindicais, todos terão assento na elaboração do plano. Caso não haja previsão normativa para a participação de empregados, o decreto aponta para as comissões de empregados previstas nos artigos 510-A a 510-D da CLT.

Convém esclarecer que, por força do decreto, o Ministério do Trabalho deverá disponibilizar ferramenta informatizada para que seja viabilizado o envio dos Relatórios de Transparência pelas empresas e para a divulgação dos relatórios e de “outros dados e informações sobre o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres” (artigo 4º).

Por meio de outros instrumentos de fiscalização o Ministério do Trabalho atuará para dar efetividade e eficácia à igualdade de remuneração entre mulheres e homens, seja por meio de notificações, seja por canais específicos de denúncias de discriminação salarial e, ainda, juntamente com o Ministério das Mulheres poderá dispor de outras medidas complementares para garantir a aplicação da lei de igualdade salarial entre mulheres e homens.

A expectativa de todos era de que, efetivamente, o decreto regulamentador trouxesse parâmetros claros e objetivos para que as empresas pudessem prestar contas do cumprimento da obrigação legal. Todavia, o que se vê é a repetição da lei, deixando, afinal, ao empregador o enfrentamento da fiscalização trabalhista que poderá se utilizar de avaliações de caráter subjetivo e dificultar os procedimentos adotados pelas empresas.

O decreto entrou em vigor na data de sua publicação, dia 23 de novembro de 2023, cabendo aos empregadores com mais de 100 empregados ficar atentos para o início da fiscalização que, no primeiro momento, terá caráter exclusivamente de orientação com notificação para que sejam cumpridas as exigências legais.

A efetividade e eficácia de uma norma caminham juntas e se complementam. A existência da lei nem sempre, em direito do trabalho, tem significado, na prática, sua eficácia em razão de fatores econômicos, sociais e culturais. O tempo poderá consolidar a proposta da lei da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, mas dependerá da boa vontade e paciência dos agentes da fiscalização.

 

Paulo Sérgio João é advogado e Professor de Direito do Trabalho da PUC-SP  psergio@psjadvogados.com.br

Fonte: Assessoria

 

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