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Integridade de terceiros no ambiente de start-ups [EthQuo]

Por Manuel Marinho, CEO da EthQuo

 

Uma empresa start-up é, por definição, um negócio que busca explorar uma ideia inovadora (na maioria dos casos, sustentada em tecnologia), com potencial para alcançar uma escala significativa de clientes (escalável), através de um modelo repetível.  A maturidade de um negócio start-up pode ser avaliada segundo mais de um critério e, um deles, é a sua capacidade de atrair um investimento externo de maior porte, sinalizando que o empreendimento apresenta atributos econômicos promissores, em um quadro de crescimento sustentado, com estrutura e governança adequadas.  Neste momento, é comum que algumas categorias de investidores iniciais (investidores anjo, fundadores não atuantes no negócio e outros) optem por vender a sua participação na start-up, se possível com um bom retorno.

Por se tratar de um formato de empreendimento que é acompanhado bem de perto por seus investidores, empresas start-up são intensamente cobradas pela execução super rigorosa de seu planejamento estratégico e por uma gestão estrita do caixa.  Pela minha vivência no ecossistema, ouso dizer que o nível de cobrança que recai sobre as start-ups está alguns pontos acima da média do mundo corporativo.

O foco intenso em execução de estratégia e gestão de caixa implica em escolher prioridades, naturalmente…  Com isso, algumas demandas do empreendimento, que merecidamente também devem ser objeto de grande atenção por parte da sua gestão, tendem a ser sub-priorizadas, por assim dizer, até que a start-up comece a apresentar sinais de que encontrou sua trilha de crescimento sustentado nos negócios.  Como observador, percebo que estes sinais costumam aparecer quando a start-up transiciona entre as fases de tração e escala[1].

Entre os temas sub-priorizados pelas start-ups, não é incomum encontrar os de governança e práticas de conformidade.  E este é um equívoco empresarial terrível, posto que a debilidade em governança e conformidade pode, em vários casos, ter potencial tão destrutivo para o empreendimento quanto a falta de caixa ou a ineficiência na execução da estratégia…  As comunidades de start-ups contabilizam diversos casos de negócios promissores que foram profundamente afetados (e, em alguns casos, descontinuados), por falhas em governança – vamos ver algumas das mais comuns:

• Disputas entre sócios fundadores, por falta de definição prévia das diretrizes de sua atuação na start-up, tais como responsabilidades, tempo disponível para dedicação ao negócio, calendário de contribuição de recursos, critérios para resolução de conflitos, regras e valuation para governar eventuais saídas, dentre outras condições.  Uma boa prática de governança para gerir assuntos desta natureza é a celebração de um acordo de sócios (acordo de fundadores ou founders agreement), separado dos atos de constituição da sociedade.  Esses acordos entre fundadores envolvem aspectos operacionais que exorbitam aqueles que a legislação societária define como matérias estatutárias (S/As) ou de contrato social (sociedades limitadas) e serão utilizados para resolver questões de conflito com um olhar para a continuidade do negócio;

• Complicações em torno de propriedades intelectuais, capital humano e outros intangíveis do negócio, tais como exploração de marcas ou símbolos já registrados em nome de terceiros, uso não autorizado de tecnologias, desvios de conhecimentos por membros dissidentes da equipe, dentre outras situações.  Uma prática de governança voltada para proteção de direitos intelectuais certamente preservará valor significativo da start-up, impedindo que energia essencial ao empreendimento seja dissipada com reformulação de marcas, logotipos, uso de tecnologias, reescrita de códigos-fonte etc.;

• Atração de partes interessadas prejudiciais ao negócio como um todo ou a um momento específico na evolução da start-up.  Neste caso, as hipóteses podem ser muitas…  Um investidor com acesso ao negócio e que atua na concorrência; um sócio com exposições políticas; um advisor punido por órgão regulador ou autoridade crítica para o empreendimento; um parceiro comercial relevante com questões adversas para o negócio (tais como penalidades por infrações ambientais, sanções em contratações com o poder público, citação em lista de trabalho escravo ou outras listas restritivas, dentre outros tipos de problemas, conforme o caso); um colaborador chave com diversas citações negativas em mídia…  Como a start-up não tem controle sobre a integridade de terceiros, as possibilidades de interferências indesejadas são muitas.  Uma boa prática de governança para evitar problemas desta natureza é a instituição de um processo de diligência de integridade de terceiros que anteceda a contratação da respectiva contraparte (due diligence).  O processo deve se aplicar a quaisquer contrapartes que pretendam manter algum tipo de relacionamento societário, administrativo ou comercial com a start-up (sócios, investidores, colaboradores chave, parceiros, fornecedores etc.) ou terceiros que tenham relativa proximidade com a gestão (mentores, advisors etc.).

É fácil perceber que os exemplos acima citados têm um ponto em comum:  todos eles interferem negativamente na expectativa de valor da start-up, às vezes de maneira fulminante (caso inviabilizem a estratégia) e outras vezes retardando o retorno esperado.  De todos, aquele normalmente mais negligenciado, é a falha na governança de integridade de terceiros.  É também aquele cujos problemas menos decorrem de atos ou fatos internos à start-up, já que se referem a questões intrínsecas aos terceiros, seus segmentos de atuação ou externalidades de suas ações.

Uma causa corriqueira, que leva os gestores de start-ups a sub-priorizarem a gestão de integridade de terceiros, é a impressão de que as práticas de governança nesta área poderiam demandar um alto investimento com consultoria e sistemas, processos extensivos, equipes dedicadas e estrutura de resposta a riscos dispendiosa.  Um baita engano!…  As tecnologias atuais, combinadas com as fontes de dados que oferecem informações ético-reputacionais relevantes sobre pessoas físicas e jurídicas em geral, permitem que um perfil razoavelmente completo a respeito da integridade de um terceiro seja alcançado em questão de poucas horas, de forma coerente com a ideia de se prestar como uma atividade preventiva (antecedente a uma contratação), a custos bastante razoáveis.  E, se utilizada uma tecnologia especializada, o resultado das pesquisas de integridade já pode vir acompanhado de escore de risco e orientações práticas para o gestor, em linguagem empresarial – um conteúdo bastante objetivo e ao mesmo tempo efetivo, que não compromete o escasso orçamento da start-up[2].

Tenho observado que a maioria das start-ups em estágio de validação (MVP) já costumam exibir em seus websites documentos como Códigos de Conduta ou outros textos com diretrizes gerais, que declaram o compromisso do empreendimento com preceitos éticos e, dentre eles, o de atuar com contrapartes (clientes, fornecedores, parceiros, investidores etc.) alinhadas aos seus valores.  A materialização deste compromisso se dá através da adoção de processos de governança de integridade de terceiros e, por conseguinte, os leitores do Código de Conduta da start-up certamente hão de pressupor que o empreendimento conta com processos dessa natureza.  Portanto, ainda que a start-up esteja em um estágio inicial, é importante demonstrar coerência entre o discurso divulgado e a prática, com a adoção de processos de governança de integridade que reflitam os compromissos previstos em suas políticas.  Não há problemas se tais processos forem substancialmente automatizados e com pouquíssima demanda de recursos internos do empreendimento, desde que sejam efetivos.

Finalmente, independentemente da existência de políticas escritas e publicadas, há uma questão de fundo que deve motivar a start-up a adotar práticas de governança de integridade de terceiros:  a presença de terceiros no entorno do empreendimento.  Em um momento muito inicial da start-up, enquanto alguns conhecidos se dedicam a evoluir na construção de uma ideia inovadora (ideação), apoiados em suas experiências acadêmicas e empresariais, é natural que ninguém pense em riscos de integridade de terceiros, posto que, em termos práticos, não há “terceiros” naquele pequeno núcleo de fundadores.  Mas quando pessoas físicas ou jurídicas alheias àquele círculo inicial de relacionamento começam a se aproximar do empreendimento (investidores anjo, desenvolvedores, fornecedores, mentores, advisors, aceleradoras, parceiros etc.), já é hora de pôr em ação processos de diligência de integridade de terceiros, para evitar riscos como os que abordamos neste texto – é sempre melhor prevenir do que remediar.  Essas práticas darão aos gestores uma segurança a mais e eles poderão seguir centrados em estratégia e caixa, enquanto mantêm elevados padrões de governança no empreendimento.  Aos olhos de investidores, esta também é uma forma de avaliação do nível de maturidade de uma start-up.

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Notas:

[1]  A literatura define 4 principais estágios na evolução de uma start-up:  ideação, validação, tração e escala.  Ideação é o estágio mais inicial de concepção de produto, negócio, modelo e estratégia; validação passa pela construção e confirmação de um produto viável mínimo (Minimum Viable Product ou MVP); em tração são feitos os ajustes a produto, modelo de negócio e estrutura de ataque ao mercado (product market fit), com alcance de clientes cobráveis; em escala, a execução da estratégia está em plena marcha.

[2]  A EthQuo é um desses provedores especializados – uma empresa especializada em ferramentas digitais para suporte a todas as práticas de diligência de integridade de terceiros das organizações (www.ethquo.com). 

Fonte: Assessoria

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