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O Tratado de Bitributação Brasil-Portugal e os Benefícios Tributários na Alienação de Investimentos Portugueses em Empresas Brasileiras [TozziniFreire Advogados]

Ricardo Maitto. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade da São Paulo. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Sócio de TozziniFreire Advogados. 

João Ribeiro da Costa. Vice-presidente da Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil. Membro da Ordem dos Advogados Portugueses. Sócio de TozziniFreire Advogados.

 

Após o período mais severo da pandemia, a perspectiva de incremento gradual das atividades econômicas tem resultado no aumento do fluxo de investimentos entre Brasil e Portugal, sobretudo no primeiro semestre de 2021. Atualmente há centenas de empresas de capital português atuando no Brasil, e a projeção é de aumento exponencial desses investimentos. 

O Tratado para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e Brasil em 2000 é um importante instrumento de estímulo a esses investimentos. Embora o objetivo principal do acordo seja impedir que os rendimentos sejam duplamente tributados nos dois países, algumas de suas disposições contêm benefícios tributários relevantes para investidores portugueses que detenham ações de sociedades brasileiras. 

A legislação brasileira já prevê estímulos fiscais para investidores estrangeiros que aplicam seus recursos no mercado financeiro e de capitais. A título de exemplo, os ganhos de capital na venda de ações são isentos do imposto sobre a renda, desde que operação seja realizada em bolsa de valores e o investidor não esteja localizado em paraíso fiscal. Porém, esse benefício é voltado para os chamados investimentos de portfólio, com caráter especulativo.  

Para investidores portugueses que detenham participações permanentes em sociedades brasileiras – isto é, que invistam fora do ambiente de bolsa de valores –, os ganhos de capital auferidos na venda de ações são tributados segundo as alíquotas progressivas que variam de 15% a 22,5%. Esse regime geral, que também se estende às pessoas físicas brasileiras, foi introduzido em 2016 em substituição à alíquota geral fixa de 15%.

É claro que os impactos tributários a que o investidor português fica sujeito, quando aliena ações de sociedade brasileira, não se resumem aos tributos pagos no Brasil. Porém, é de pleno conhecimento que Portugal adota o regime de participation exemption. De acordo com esse regime, os ganhos de capital na venda de participações societárias são isentos do imposto sobre a renda em Portugal contanto que a participação societária seja superior a 10%, por um holding period mínimo de 1 ano, entre outros requisitos.  

Assim, o investidor residente em Portugal que decida vender ações de uma sociedade brasileira poderá invocar a aplicação do regime de participation exemption, de tal forma que o custo tributário da transação ficará restrito aos tributos pagos no Brasil. Diante desse contexto, é fundamental levar em consideração as disposições do Tratado Brasil-Portugal, sobretudo aqueles benefícios “escondidos” em seu Protocolo. 

Recentemente a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou uma Solução de Consulta (ruling) que reconheceu a aplicação do Tratado Brasil-Portugal e da alíquota de ganho de capital no Brasil de 15%, de modo a afastar o regime de alíquotas progressivas. Além disso, a aplicação do Tratado também pode reduzir a alíquota para 0% caso o investidor residente em Portugal detenha participação na sociedade brasileira em patamar inferior a 10%. 

Na Solução de Consulta COSIT nº 150/2021, a RFB reconheceu os efeitos do item 6 do Protocolo anexo ao Tratado Brasil-Portugal. Essa disposição, ao se reportar ao artigo 13, que trata dos ganhos de capital, contém a seguinte ressalva: “na eventualidade de, posteriormente à assinatura da presente Convenção, o Brasil concluir com um terceiro Estado não situado na América Latina uma Convenção que limite (…) o poder de tributação do outro Estado Contratante que não seja aquele em que for residente o beneficiário dos rendimentos, uma limitação idêntica será automaticamente aplicada às relações entre o Brasil e Portugal”.

Ocorre que o Brasil veio a celebrar, no ano de 2002, um Tratado para Evitar a Dupla Tributação com Israel, que contém regras sobre a tributação de ganhos de capital mais benéficas do que aquelas contidas no Tratado Brasil-Portugal. 

De fato, o artigo 13(3) do Tratado Brasil-Israel prevê que os ganhos de capital obtidos por um residente de um Estado Contratante na venda de ações de uma sociedade residente do outro Estado Contratante poderão ser tributados nesse outro Estado, “mas somente se o residente do primeiro Estado mencionado detiver a propriedade, direta ou indiretamente, a qualquer tempo no período de doze meses anterior a tal venda, troca ou outra forma de disposição, de ações dando direito a 10 por cento ou mais do direito de voto na sociedade”. Adicionalmente, o mesmo dispositivo esclarece que o imposto cobrado pelo país onde está localizada a sociedade não poderá exceder a 15%. 

Nota-se que artigo acima mencionado contém limitações claras para o país de localização da sociedade cujas ações são vendidas: (i) a tributação no Estado de localização está autorizada somente se o acionista estrangeiro detiver participação com direito a voto igual ou superior a 10%, a qualquer momento no período de 12 meses anterior à venda, observada a alíquota máxima de 15%; e (ii) por uma interpretação lógica, a contrario sensu, em qualquer hipótese que não se enquadre naqueles casos (e.g. participação societária inferior a 10%), não existe autorização para que o Estado de localização da sociedade tribute o ganho de capital. 

No caso concreto analisado na Solução de Consulta COSIT nº 150/2021, como a empresa portuguesa detinha participação superior a 10% na sociedade brasileira, a RFB concluiu corretamente pela aplicação da alíquota de 15% no Brasil, de forma a afastar o regime geral de alíquotas progressivas previsto na lei brasileira. Embora a RFB não tenha opinado sobre a hipótese de participação inferior a 10%, a interpretação que nos parece mais correta, conforme apontado acima, é pela impossibilidade de tributação no Estado onde está localizada a sociedade que tem sua participação alienada (Brasil). A RFB lembrou, ainda, que o Tratado Brasil-Portugal contém ressalvas quanto a aplicação de suas disposições a pessoas que estejam localizadas em regiões ou zonas incentivadas, a exemplo de Zonas Francas da Ilha da Madeira, da Ilha de Santa Maria etc.

Essa manifestação da RFB é uma excelente notícia para investidores portugueses. A depender dos valores envolvidos numa transação de venda de ações, uma redução das alíquotas nominais pode representar uma diminuição significativa no custo da transação. Nota-se, portanto, a importância de se conhecer as disposições dos Tratados para Evitar a Dupla Tributação. No caso específico do Tratado Brasil-Portugal, a sua correta aplicação permitirá que o investidor português pleiteie a aplicação de alíquotas reduzidas no cálculo do imposto de renda (15% ou 0%), com impacto direto no retorno sobre o capital investido. 

 Fonte: Assessoria

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