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Os limites do poder intervencionista da CVM [Tognetti Advocacia]
*Muriel Waksman, Tognetti Advocacia
Quando pensamos sobre o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários brasileiro e o poder da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em intervir nas ações e decisões das companhias, naturalmente, precisamos avaliar as influências regulatórias e históricas da Comissão.
O desenvolvimento do mercado de valores mobiliários brasileiro nos últimos anos envolveu o aumento da amplitude de atuação da CVM no seu dia a dia, no âmbito de agente fiscalizador e regulador de mercado. O aumento de proatividade da autarquia teve como causas a importância dada ao mercado de valores mobiliários e a necessidade de oferecer maior proteção a seus investidores; todavia, há alguns outros fatores importantes a serem considerados, como a atuação das agências reguladoras em pauta (a CVM e sua “influencer”, a Securities Exchange Commission – SEC), e as diversas diferenças entre os mercados de capitais brasileiro e norte-americano, desde a diferença de modelos adotados. Assim, com base nesses fatores, podemos começar a destrinchar os efeitos desse transplante jurídico no mercado brasileiro.
Como ponto de partida, precisa-se melhor compreender o significado e sentido da palavra “intervencionismo”. Intervenção, por si, é um alvará emitido separada e individualmente por uma autoridade pública que represente o poder estatal, tendo referida autorização ou ordem a consequência de obrigar e vincular as pessoas físicas e jurídicas de um sistema legal de determinada forma.
Neste sentido, o agente intervencionista é um representante do governo, o qual, perante determinada transgressão gerada dentro de um meio socioeconômico, possui o poder de intervir na sequência dos eventos, de forma a influenciar a produção de um resultado diferente do que seria produzido . Isto quer dizer que o agente intervencionista, cujos poderes de atuação lhes foram delegados por algum ente governamental, possui a prerrogativa de atuar contra alguns fatos e atos jurídicos que estejam em contraste com o sistema jurídico, de forma a reforçar a proteção deste.
A ideia de intervenção (i.e., de regulação) envolvem a concepção de que o ser humano possui uma tendência ao abuso do poder – mais ainda, o homem está sempre tentado a abusar do poder. Desta forma, para frear abusos mais graves e maiores, é necessário que haja um freio implementado por um poder, ou seja, constituição e leis para impedir a concretização da tendência humana.
Todas as mais diferentes formas de pensamentos e doutrinas a respeito da regulação possuem um ponto comum: por bem ou por mal, a regulação possui papel importante para que os mercados de capitais dos países sejam implementados e se desenvolvam com o passar das décadas. Aqui, não cabe a nós determinar o “melhor formato de regulação”, pois não se trata da mera receita de um bolo – cada país possui as suas individualidades e características que fazem com que os respectivos mercados de capitais sejam únicos e diferentes entre si. Cabe a cada Estado verificar a melhor forma de implementação de normas reguladoras à sua nação, e adequá-las conforme o caso.
Quando falamos em intervenção estatal na economia, logicamente, pensamos na maior economia global, dos EUA, a qual, natural e concidentemente, possui o modelo de intervenção estatal que influenciou o mercado de valores mobiliários brasileiro.
A CVM é, assumidamente, um produto desenvolvido a partir da SEC norte-americana. Afinal, o mercado de capitais dos EUA é altamente desenvolvido e capacitado – faz sentido os demais países, principalmente os que estejam em fase de desenvolvimento, espelharem-se em um modelo bem-sucedido.
A primeira controvérsia a ser levantada neste sentido é o fato de que ambos os modelos advêm de dois sistemas jurídicos bastante diferentes – e compreender de Common Law e Civil Law, adotados nos EUA e no Brasil, respectivamente, é essencial para que se possa começar a entender as principais dificuldades das influências do primeiro no mercado de capitais do último.
O termo Civil Law, prática de milhares de anos, refere-se ao sistema jurídico adotado pelos países da Europa continental e, portanto, também adotado pela maioria dos países de colonização europeia, como, por exemplo, os países latino-americanos. Em suma, trata-se de um sistema legal escrito mais engessado. O Common Law, por sua vez, é um sistema originário da Inglaterra (e adotado, por consequência, nos EUA), cuja fonte primária envolve os casos judiciais passados, os quais passam a ser reconhecidos como vinculantes, obrigatoriamente observados e adaptados a casos posteriores – naturalmente, apresentando um formato legal mais apropriado para a maximização da riqueza da economia, por ser adaptável .
Claramente, os sistemas jurídicos brasileiro e norte-americano são bastante diferentes – principalmente no que tange a formação de leis e a sua aplicação casuística – no que tange o formato de regulação. Esse é um dos principais aspectos da explicação por que um transplante jurídico não funciona neste caso.
O formato da intervenção estatal no mercado de capitais dos EUA é um formato de Common Law, através do qual as decisões dos órgãos julgadores do país, como um todo, são baseadas em precedentes jurídicos. Por outro lado, o arcabouço jurídico do Brasil é fundamentado no Civil Law, sistema legalista, embasado em regras e normas jurídicas escritas.
Não se pode responsabilizar um transplante jurídico por todas as mazelas do mercado de capitais brasileiro – pelo contrário, a importação de legislação estrangeira, advinda de um país economicamente desenvolvido, pode ser uma excelente solução. Todavia, o transplante imposto a uma população, sem a análise de sua origem e a consequente adaptação às condições socioeconômicas, políticas e culturais locais, gera uma legislação e as práticas mercadológicas enfraquecidas e, muitas vezes, contrastantes com relação à realidade jurídica do país receptor.
O problema do mercado de capitais brasileiro não está relacionado ao transplante jurídico da SEC, mas, sim, à forma de realização de referido transplante. Se o legislador brasileiro tivesse considerado a possibilidade de criação de normas pelo aplicador da lei de acordo com cada caso julgado, referido transplante teria sido aproveitado em sua integralidade.
Neste sentido, assim como se abriu portas ao sistema de valores mobiliários norte-americano, dever-se-ia ter adaptado o transplante norte-americano, para que fosse familiarizado ao caso brasileiro.
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