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Perspectivas sobre o acesso à Justiça: uma análise dos dados do relatório ‘Justiça em números’ 2023 [Reis Advogados]
Jéssica Raquel Galione Amorim (*)
O acesso à justiça é um direito fundamental assegurado pela Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso XXXV, buscando a democratização do sistema judiciários. No entanto, esse conceito vai além do aspecto formal, envolvendo também a efetividade e a equidade na resolução dos litígios.
Segundo o entendimento de Mauro Capeletti e Bryant Garth (1988, p. 8), o acesso à justiça é uma expressão “reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”. Complementam: “Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. […] Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo”.
Considerando essa perspectiva, a busca pelo acesso à justiça deve transcender as fronteiras das instituições jurídicas tradicionais, que frequentemente se limitam ao acesso formal dos cidadãos ao Poder Judiciário, sem levar em conta a eficácia na resolução das demandas.
O Relatório “Justiça em Números de 2023”, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, destaca o desempenho do Poder Judiciário. Revela que, ao final de 2022, havia 81,4 milhões de processos em andamento, dos quais 17,7 milhões estavam suspensos ou em arquivo provisório. Excluídos esses casos, o total de ações judiciais em andamento foi de 63 milhões.
Em relação aos casos novos, houve o registro de 21,3 milhões de ações judiciais originárias em 2022, refletindo um aumento de 7,5% em comparação ao ano de 2021. Esse aumento indica uma expansão no acesso à justiça pós-pandemia, tornando 2022 o segundo ano com maior volume de demandas na série histórica de registros do CNJ.
Com base nas informações apresentadas, fica evidente que o Brasil enfrenta uma elevada demanda por ações judiciais, um fenômeno complexo que reflete diversos aspectos da sociedade e do sistema jurídico do País. Três razões principais explicam essa demanda elevada:
Ineficiência do sistema judiciário: nosso sistema enfrenta desafios significativos em termos de eficiência, como uma grande quantidade de processos em tramitação, prazos prolongados para julgamento e recursos limitados.
Cultura litigiosa: a prevalência dessa cultura é impulsionada pela falta de confiança nas instituições públicas e pela percepção de que o sistema judiciário é o único meio eficaz para resolver disputas, em detrimento da promoção de acordos mútuos.
Mudanças legislativas e regulatórias: uma série de mudanças na legislação e regulamentações tem causado insegurança jurídica, resultando em um aumento significativo de demandas judiciais, à medida que as partes buscam esclarecimento sobre seus direitos e obrigações.
Abordando mais detalhes do Relatório “Justiça em Números de 2023”, destaca-se um tema relevante: os Indicadores de Produtividade. Estes incluem os Índices de Produtividade dos Magistrados (IPM) e dos Servidores (IPS-Jud), que medem a relação entre o volume de casos encerrados e o número de magistrados e servidores que desempenharam suas funções ao longo do ano na jurisdição. Ambos os índices registraram aumentos, de respectivamente10,7% (IPM) e 10,5% (IPS-Jud), no último período avaliado. Além disso, observou-se um crescimento na carga de trabalho, com os magistrados lidando, em média, com 6.747 processos em 2022, representando um aumento de 4,7% sobre o ano anterior. Quanto aos servidores da área judiciária, a carga média foi de 566 processos por pessoa, o que representou um aumento de 4,4% sobre 2021.
A principal crítica ao ponto mencionado é a metodologia do relatório, que avalia a produtividade do sistema judiciário com base na redução do número de processos. Essa abordagem não assegura a eficácia da tutela jurisdicional, uma vez que priorizar a diminuição de processos para atender exclusivamente metas quantitativas não é a maneira ideal de lidar com os gargalos processuais, visto que essa abordagem não garante uma resolução eficaz dos litígios.
Vale ressaltar que uma avaliação estritamente quantitativa da produtividade, ou seja, centrada apenas nas “baixas de processos”, pode não fornecer a visão completa da eficácia da tutela jurisdicional. Dessa forma, recomenda-se uma abordagem mais abrangente, que incorpore dados qualitativos e análises detalhadas, visando alcançar uma compreensão mais precisa da realidade judiciária.
Nota-se que, embora o Judiciário venha cumprindo seu papel em assegurar o acesso à justiça – como indicado pelo aumento no acesso ao judiciário -, os dados do relatório do CNJ apontam para uma crescente demanda ao sistema judiciário brasileiro. Isso resulta em sobrecarga para os funcionários e destaca a urgente necessidade de aumentar a eficiência para lidar com essa carga de trabalho em expansão.
Portanto, a conjunção de diversos fatores, como a alta demanda por ações judiciais no Brasil e a avaliação da produtividade com base exclusivamente na resolução de processos, traz desafios significativos para o sistema judiciário e para a sociedade em geral. Diante desse cenário, são necessárias reformas abrangentes com o objetivo de aprimorar efetivamente o acesso à justiça, aumentar a eficiência do sistema judiciário e promover a adoção de mecanismos alternativos para a resolução de conflitos.
REFERÊNCIAS
CAPELETTI. Mauro. GARTH. Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Justiça em Números 2023. Brasília: CNJ, 2023. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/02/justica-em-numeros-2023-16022024.pdf. Acesso em: 10 Mar. 2024.
(*) Jéssica Raquel Galione Amorim é Advogada e Supervisora de Legal Operations no escritório Reis Advogados, especialista em Advocacia de Alta Performance
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