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Real Digital e segurança jurídica dos contratos imobiliários – Futuro dos Smart Contracts no Direito brasileiro: realidade ou desafio? [Reis Advogados]
Olavo Rodolfo Pedrosa
OAB: 499.848
As transações financeiras passaram por transformações significativas na última década. Esse fenômeno se deve, em grande parte, às inovações bancárias introduzidas pelo (eco)sistema Pix, que alcançou não somente pessoas físicas de todas as classes sociais no Brasil, mas igualmente de microempreendedores a grandes empresas dos mais variados setores da economia.
Anos atrás, as transferências eletrônicas disponibilizadas por sistemas de Transferência Eletrônica Disponível (TED) e Documento de Ordem de Crédito (DOC) emergiram como as principais inovações para a movimentação bancária no Brasil. Proporcionaram uma forma rápida e segura de envio e recebimento de dinheiro entre contas bancárias, que aos poucos conquistou a confiança do brasileiro, tornando desnecessários o deslocamento físico a agências bancárias e o uso de cheques. Com isso, ganharam cada vez mais espaço no Sistema Financeiro Nacional. Outro aspecto que contribuiu para a popularidade de TEDs e DOCs foi a segurança resultante da implementação de medidas de criptografia e autenticação próprias, reduzindo consideravelmente os riscos de fraudes e interceptações indevidas.
Contudo, o avanço tecnológico em várias outras áreas do conhecimento e a necessidade de maior rapidez na liquidação dos valores transferidos, considerando as horas (ou dias) gastas no processamento de TEDs e DOCs e principalmente o isolamento social causado pela pandemia da Covid-19, tornaram urgente que os sistemas bancários brasileiro e mundiais mais uma vez se reinventassem. Daí foi apresentado pelo Banco Central do Brasil, em novembro de 2020 [1], o Pix, um sistema de pagamentos mais ágil, prático, instantâneo e disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
O Pix já estava em desenvolvimento em meados de 2016 por uma equipe de servidores do Bacen, que elaborou um relatório [2] a respeito encaminhado ao Bank For International Settlements (Banco de Compensações Internacionais, ou simplesmente BIS, em português). Essa é a mais antiga instituição financeira internacional, tendo sido fundada em 1930 com o objetivo de fomentar a cooperação internacional e auxiliar bancos centrais em todo o mundo.
Ante o caos sanitário vivido pela humanidade com a pandemia, a finalização do projeto teve que ser acelerada e, como era de se esperar, o Pix se tornou o principal meio de pagamentos entre os brasileiros, superando até mesmo o uso do bom e velho cartão [3]. Em 2018, de acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as transações financeiras efetuadas por internet banking e dispositivos móveis já superavam com folga os outros meios e canais de atendimento ao cliente.
Mas até onde toda essa praticidade é válida e segura para as pessoas? Como o Direito brasileiro e a justiça têm lidado com a segurança e a validade jurídica dos contratos de alto valor em dinheiro, em especial, os imobiliários?
Como autarquia federal de natureza autônoma e sem interferências políticas e/ou governamentais, o Bacen tem a responsabilidade de garantir um poder de compra saudável para o real e assegurar um Sistema Financeiro Nacional eficiente, sólido e funcional. A Constituição Federal de 1988, lastreada pela ideologia do liberalismo e livre comércio, assegura a autonomia dos grupos locais, que podem adotar seus próprios costumes. Esses costumes, por sua vez, podem tornar-se uma fonte do direito, concretizando o pluralismo de ideias civis, conforme exemplifica o Código Civil de 2002, em seu Capítulo V, que trata dos contratos em geral. As pessoas têm a liberdade de celebrar contratos com quem quiserem, nas condições que quiserem, e o Estado não deve interferir nos contratos, a não ser em casos excepcionais.
Dessa forma, a ciência jurídica deve acompanhar os avanços tecnológicos da sociedade, inclusive no sistema financeiro. Portanto, o direito deve ser flexível e adaptável às mudanças sociais, para que possa atender às necessidades da sociedade de forma justa e eficiente.
Nesse cenário de evolução, surgiram nos últimos anos os smart contracts (contratos inteligentes, em português), completamente eletrônicos, sem necessidade de intervenção humana, utilizando uma ferramenta muito conhecida no mundo das moedas digitais (ou criptomoedas), chamada de blockchain, que permite registrar o objeto do contrato de forma imutável em blocos sequenciais. Conforme define a IBM [4], “blockchain é um livro de registros, compartilhado e imutável, que facilita o processo de gravação de transações e rastreamento de ativos em uma rede de negócios. (…) Praticamente qualquer item de valor pode ser rastreado e negociado em uma rede de blockchain, o que reduz os riscos e os custos para todos os envolvidos”. Portanto, os dados assim registrados são imutáveis e rastreáveis.
É fundamental não confundir criptomoeda com CBDC (central bank digital currency, expressão que pode ser traduzida como moeda digital de banco central ou real digital, no cenário brasileiro). O real digital consiste em um projeto do Bacen de emissão do real exatamente como ocorre em papel-moeda, porém de forma digital. Dessa forma, diferentemente do que ocorre com as criptomoedas, terá assegurado o valor de circulação do real físico. Ainda em fase de testes, o real digital terá sua liquidez e a sustentação de seu valor controladas pelo Bacen, viabilizando sua utilização como base para os contratos inteligentes.
Considerando as múltiplas possibilidades de uso dessa inovação, acredita-se que em breve o mercado imobiliário venha a adotá-la. Entretanto, em se tratando de um modelo negocial em ascensão acelerada, mas ainda não completamente conhecido e dominado, a segurança jurídica precisa estar alinhada com regras e práticas de compliance, nos diferentes setores econômicos, a fim de combater falhas operacionais, lavagem de dinheiro e possíveis fraudes e golpes envolvendo os contratos imobiliários.
Adicionalmente, os smart contracts devem estar de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), tanto na segurança de dados específicos, quanto no sigilo bancário. Nesse
sentido, precisam mitigar possíveis fraudes, vícios de consentimento, erros e demais ilicitudes. Assim como ocorreu com o Pix, os contratos inteligentes, na condição de ferramentas inovadoras no Direito Civil brasileiro, serão adotados pelas empresas, em especial para gerenciar com maior agilidade áreas de negócios em que haja operações de rotina. Quanto aos contratos imobiliários, embora ainda seja tímida a discussão em torno do uso dos modelos inteligentes, é previsível sua adoção em prazo relativamente curto, haja vista a transformação que está ocorrendo com a digitalização dos Cartórios de Registro de Imóveis, através da Lei no 14.382/22 publicada em 27 de junho de 2022 [5], resultado da Medida Provisória no 1085/2021, que dispõe sobre a obrigatoriedade de que os mais de 13 mil cartórios existentes no Brasil adotem um sistema online unificado, eletrônico e/ou digitalizado, para registro e armazenamento dos seus acervos, inclusive, os imobiliários.
Portanto, essa transformação digital também vem sendo aplicada no âmbito do Direito Imobiliário, de modo que seja considerada a adoção dos smart contracts, bem como do real digital, pois a digitalização desses serviços já é uma realidade, em linha com o processo de desburocratização que a sociedade brasileira e o mundo vêm acompanhando.
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[1] Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/pix
[2] Disponível em: https://www.bis.org/cpmi/publ/d154.pdf
[3] Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/pix-supera-cartoes-e-se-consolida-como-principal-meio-de-pagamento
[4] Disponível em: https://www.ibm.com/br-pt/topics/blockchain
[5] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14382.htm
Olavo Rodolfo Pedrosa é advogado, membro da Comissão de Direito Imobiliário da 87ª Subseção da OAB – Bebedouro/SP e atua como Advogado na área de Imobiliário no Reis Advogados.
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